O que faz o arquiteto hospitalar e como a arquitetura influencia na saúde das pessoas?



O que faz o arquiteto hospitalar e como a arquitetura influencia na saúde das pessoas?

Fábio Bitencourt

Arquiteto D Sc, professor




Com certa recorrência é comum a pergunta sobre o significado e a função da arquitetura e dos espaços para serviços de saúde, da clínica, do hospital, do laboratórioou qualquer outro local onde a atividade necessita do abrigo para funcionar. Onde estes dois componentes, arquitetura e saúde, se encontram como função? e como são complementares em importância? 


A atualidade das discussões sobre os valores essenciais da função da arquitetura para a saúde, assim como na promoção da saúde, pode ser percebida sob distintas formas de contribuição: na elaboração de projeto e na construção, nos espaços interiores e na composição da fachada, no paisagismo e na paisagem das paredes, na manutenção contínua da edificação e das instalações, nas pesquisas e na gestão do edifício, assim como na avaliação pós-ocupação (APO) que pode permitir recomeçar o processo projetual ajustando eventuais falhas.



São muitas as possibilidades e as experiências profissionais que o arquiteto tem como responsabilidade e compromisso na atuação da arquitetura para a saúde. Pode trazer, por exemplo, o processo pragmático de cada projeto realizado e de cada edificação construída, numa forma de percepção mais direta sobre o que foi feito para repensar novas estratégias do projeto e recomeçar sempre. Ou mesmo, recomendar que se recomece com novas soluções. O ensino e a pesquisa oferecem esta reflexão ao pensamento projetual. E quando pensamos que aprendemos tudo, aprendemos que precisamos rever conceitos, conhecer novas experiências, inovações tecnológicas e introduzir novas práticas.



A experimentação da vivência diária no ambiente hospitalar, manutenção e operação, muitas vezes envolta em problemas físico-funcionais, permite identificar componentes a serem analisados continuamente. Neste caso, convive-se com adequações, reformas e ajustes que poderão nunca vir a existir. Mas, permitirão a reflexão!


Outra forma de compreender os ambientes de saúde seria observá-los em ângulos distintos, como os das experimentações interiores. Um olhar que produza novas perspectivas de projetar e de atender às novas demandas dos dinâmicos serviços de saúde. 


A recente situação determinada pela pandemia decorrente da doença COVID-19 tem promovido inúmeras possibilidades de atuação da arquitetura para a saúde. A introdução dos conceitos de promoção à saúde, das Práticas Integrativas e Complementares (PICs) do Sistema Único de Saúde (SUS) que são tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, voltados para prevenir diversas doenças como depressão e hipertensão exigem novos arranjos funcionais dos espaços para a adequação de cada serviço.


Se para alguns casos, as PICs também podem ser usadas como tratamentos paliativos em algumas doenças crônicas, para cuidar da função de incluir as pessoas e promover o conforto humano, o ambiente projetado deve oferecer a possibilidade deste encontro de funções. Um exercício para o ato de projetar com a convicção de ser útil e cumprir um princípio fundamental de que a arquitetura não pode causar nenhum mal ao usuário. Muito pelo contrário, deve cumprir a função complementar de auxiliar no processo terapêutico.


Uma leitura que tem se tornado relevante entre especialistas e interessados em estudos sobre as edificações, não especificamente para hospitais, mas que contribui diretamente produzindo novas perspectivas de análise é o livro Cidades para as Pessoas (Cities for people), publicado pela Editora Perspectiva, 2013.


O autor é um arquiteto e urbanista dinamarquês, Jan Ghel (1936 - ), professor universitário que promove uma percepção das cidades a partir dos usuários, das suas dimensões, sentidos e necessidades. Ele divide o tempo de se perceber as cidades e define três tipos de espaço para elas: a cidade tradicional, a cidade invadida e a cidade reconquistada.


Em entrevista para o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em 21 de junho de 2012, ele comentou: “Precisamos resgatar outros valores da cidade, valores humanos. Essas cidades reconquistadas, como as chamamos, são então caracterizadas pela busca de um bom equilíbrio entre três funções: um lugar de encontro para as pessoas, um lugar de mercado de bens e serviços e um lugar de mobilidade, onde se pode conectar diferentes espaços”. 


O livro nos traz uma reflexão importante sobre a vida urbana, que também poderá ser utilizada em estudos análogos sobre os ambientes de saúde, como o hospital. Sobretudo nos hospitais, onde as internações são prolongadas, os espaços se transformam muitas vezes em um local de se viver.


Um hospital/cidade ou um hospital/residência para alguns usuários pode estar caracterizado como local onde as necessidades fundamentais inerentes à sobrevivência humana e à prática terapêutica devem estar disponíveis. E esta não é uma referência apenas às necessidades do paciente. Alguns profissionais de saúde também têm o hospital como espaço de viver, no amplo sentido que a palavra permite compreender, considerando o tempo que ali permanecem.




A adaptabilidade aqui proposta aos conceitos do Ghel descritos para a cidade na proposta de utilização nos ambientes hospitalares, também foram obtidas de outras referências que se iniciaram com estudiosos das dimensões humanas, como o antropólogo Robert Sommer. O autor contribuiu com a criação de lugares adequados às necessidades de uma nova abordagem da assistência à saúde, considerando a relação entre espacialidade construída, conforto e comportamento espacial. Ou com as referências das dimensões ocultas”, do antropólogo norte-americano Edwad T. Hall em The Silent Language (1973), uma das principais bases dos estudos ergonômicos e sua aplicabilidade contemporânea às variáveis antropométricas das zonas de viver (íntima, pessoal, social e pública). Reflexões também descritas no livro Ergonomia e Conforto Humano (Fábio Bitencourt, Editora Rio Books, 2017).


Quais são as contribuições que o ambiente do hospital poderá fazer para a convivência humana que neste local venha a se estabelecer? 



Os componentes de qualidade do projeto do hospital não podem, de forma alguma, prescindir dos valores dos conceitos guarda-chuva de proteção, conforto e prazer. Conceitos ghelianos que podem ser adaptados às necessidades dos ambientes de saúde, a seguir:


  • Proteção: proteção contra acidentes - sensação de segurança, proteção contra experiências sensoriais desconfortáveis;

  • Conforto: oportunidade para caminhar ou se sentar, ver, ouvir e conversar, praticar atividades físicas. Perceber e sentir os fatores ambientais;

  • Prazer: sentir-se em ambientes com a escala humana, aproveitar os aspectos positivos do clima e ter experiências sensoriais positivas.


 Um exercício para os que lidam com o planejamento dos ambientes de saúde deve ser conceber espaços que promovam a sensação de proteção, a percepção de conforto e experiência do prazer pelos aspectos acima descritos. E que, sobretudo, resgatem os valores humanos necessários aos ambientes para assistência à saúde.


Fábio Bitencourt

Janeiro de 2023




Professor INBEC