Saiba mais sobre a Microscopia de Força Atômica aplicada ao estudo de ligantes asfálticos



Saiba mais sobre a Microscopia de Força Atômica aplicada ao estudo de ligantes asfálticos



Profa. Luciana Nogueira Dantas



Introdução 


Os ligantes asfálticos são materiais muito complexos. Entender sua composição química não é tarefa das mais simples, visto que, são materiais provenientes da destilação fracionada do petróleo, material este, constituído por uma mistura complexa de hidrocarbonetos com os mais diferentes pontos de ebulição contendo ainda pequenas quantidades de compostos orgânicos oxigenados, nitrogenados, sulfurados, organo- metálicos, água, sais minerais e areia, que é considerada como impureza. 


Os cimentos asfálticos de petróleo são “herdeiros da complexidade” do petróleo, e sua composição química pode ter de 20 a 120 átomos de carbono por molécula devido ao fato de ser dependente do tipo de petróleo e do processo de refino utilizado. Os CAPs são constituídos de 90 a 95% de hidrocarbonetos e de 5 a 10% de heteroátomos (oxigênio, nitrogênio e metais como vanádio, níquel, ferro, magnésio e cálcio) unidos por ligações covalentes. 


Entender, ou desvendar a composição química dos CAPs tem sido objeto de vários estudos ao longo dos anos, visto que, entendendo seus componentes, será mais fácil prever seu desempenho. Dependendo da técnica de fracionamento químico adotada tem-se elementos químicos diferentes. Os métodos utilizados para fracionamento do ligante asfáltico, baseiam-se na separação química por grupamentos funcionais. É difícil ter um método de separação individual de seus componentes, já que é muito grande o número de compostos presentes no CAP.


Dentre as várias  metodologias, a mais utilizada, e também a mais citada na literatura, é aquela do químico Corbett, a qual diz que o ligante asfáltico é um material formado basicamente por quatro famílias genéricas: saturados, aromáticos, resinas e asfaltenos, chamadas de frações SARA. A estruturação ou organização das frações químicas SARA foram estudadas através da elaboração de modelos, sendo o mais conhecido o Modelo de Yen que é mostrado na Figura 1 de REIS (2002). Esse modelo foi proposto nos anos 1960 após a visualização das moléculas de asfaltenos por difusão de Raios X (SILVA, 2005). 



Figura 1 - Modelo de estrutura coloidal do ligante asfáltico segundo Yen (REIS, 2002)



Microscopia de Força Atômica aplicada ao estudo de ligantes asfálticos


Cada vez mais se recorrem a técnicas de nanotecnologia para se entender melhor as características dos materiais. Uma destas técnicas é a observação da estrutura molecular por um Microscópio de Força Atômica (OSSA, 2012). 


O AFM pode fornecer dados de morfologia da superfície do ligante asfáltico e dados de propriedades mecânicas em níveis de nanoescala. As análises são feitas a partir de imagens capturadas de ligantes asfálticos nas condições virgem, após condicionamento RTFOT (Rolling Thin Film Oven Test), que simula o envelhecimento de curto prazo e após RTFOT + 1 (um) ano de exposição às condições climáticas da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, simulando, em parte, o envelhecimento a longo prazo. 


Em geral, o pavimento asfáltico está sujeito ao envelhecimento devido aos efeitos de longo prazo de fatores naturais. As características da superfície do ligante asfáltico mudam após o envelhecimento, o que pode se refletir nas suas características. O AFM é uma medida não destrutiva para obter a microestrutura de uma superfície. Portanto, tornou-se uma ferramenta eficaz para estudar a microestrutura do asfalto durante diferentes processos de envelhecimento (ZHANG et al., 2019)


Os ligantes asfálticos são materiais de composição química complexa e heterogênea e contêm estruturas microscópicas de diversas dimensões, variando seus tamanhos entre micrômetros e décimos de micrômetros, que apresentam diferentes propriedades mecânicas (DAS et al., 2015 apud OSMARI, 2016). Esses elementos têm sido avaliados com o emprego do AFM para a obtenção de informações sobre a composição química dos mesmos, o arranjo das diferentes frações constituintes e as características de envelhecimento desses materiais. Essa técnica se tornou mais frequente nas duas últimas décadas com publicação de resultados de pesquisas de diversos autores (LOEBER et al., 1998; JÄGER, et al., 2004, MASSON et al., 2006, PAULI, et al., 2011 apud OSMARI, 2016). 


Utilizando esta ferramenta para analisar ligantes asfálticos, pesquisadores constataram a presença de uma estrutura de aparência de abelhas (“bees”), que tem como característica intrínseca uma série de protuberâncias e depressões denominadas de “fase catana”. Essas estruturas tipo “bees” estão presentes na morfologia superficial dos materiais asfálticos e foram observadas através da utilização do Microscópio de Força Atômica por vários pesquisadores tais como LOEBER et al., 1995, PAULI et al. (2001), MASSON et al. (2005); e mais recentemente confirmados por vários autores, por exemplo: PIZZORNO (2010) e (2014); MOYA et al (2017) e OSMARI et al. (2017).


A fase “tipo abelha” ou “bees” (LOEBER et al., 1995 apud OSSA, 2012), foi depois denominada por MASSON et al. (2006) como Fase Catana devido à sua morfologia ondulatória. Esta fase corresponde às regiões mais rígidas, tendo sido inicialmente associadas aos asfaltenos. As características morfológicas dos bees estão relacionadas com o conteúdo de Níquel e Vanádio de acordo com correlações de MASSON et al., 2006 apud OSSA (2012). A Segunda Fase é chamada Perifase e corresponde às resinas que envolvem os asfaltenos e que apresentam uma cor mais escura (LOEBER et al., 1995 apud OSSA, 2012). 


A Terceira Fase é chamada de Parafase e corresponde à fase mais leve e responsável pela susceptibilidade térmica dos materiais e trabalham como floculantes das micelas (OSSA, 2012). As três fases podem ser observadas na figura 2. Às vezes, pequenos domínios quase esféricos são finamente dispersos na Parafase, sendo denominada Fase Sal.


A composição química de estruturas bees tem sido discutida, podendo ser dividida em duas linhas de pesquisa: asfaltenos ou ceras cristalizantes (ZHANG et al., 2019).


 

Figura 2 - Imagem AFM de uma amostra de CAP (OSMARI, 2012)



A figura 3 mostra esquematicamente um Microscópio de Força Atômica - AFM, que tem como princípio básico fazer uma varredura no filme que se quer analisar utilizando-se de um sistema de alinhamento com feixe de laser incidindo sobre o cantilever (que é uma haste flexível cuja parte inferior é acrescida de uma ponta com dimensão de poucos microns), e refletindo em um sensor de quatro quadrantes. 


O AFM fornece informação de posição para o sistema de realimentação e controle que corrige então a posição do cantilever de forma a manter o contato com a amostra durante a varredura e permitir a obtenção da imagem (PIZZORNO, 2010).

Figura 3 - Esquema de funcionamento do Microscópio de Força Atômica (PIZZORNO, 2010)



Um AFM contém (PIZZORNO, 2010):


  • Ponteira para analisar a superfície da amostra com alguns microns de comprimento e de diâmetro na ponta menor que 10nm;

  • Haste com 100 a 200 microns de comprimento. Esta é defletida pelas forças geradas entre a agulha e a amostra;

  • Detector que mede a deflexão da haste enquanto ela se move sobre a superfície;

  • Computador que gera um mapa da topografia da superfície pela deflexão da haste.


Mostra-se na sequência imagens de ligantes obtidas através do Microscópio de Força Atômica em três condições: (a) como chegam da Refinaria, identificada como virgem, (b) após condicionamento RTFOT - Rolling Thin Film Oven Test que simula o envelhecimento a curto prazo e (c) após 1(um) ano de exposição ao tempo nas condições da cidade do Rio de Janeiro. A figura 4 mostra a estufa RTFO utilizada .



Figura 4 - Rolling Thin Film Oven Test (ASTM D 2872) usada nesta pesquisa



Para os ensaios no AFM, as amostras foram previamente preparadas com o objetivo de criar um filme fino e homogêneo. Para isso, cada amostra foi aquecida a uma temperatura de 120º C, colocada no Spin-Coater sobre uma lâmina de vidro, com velocidade de 25 RPM durante 6 segundos, conforme se observa na Figura 5. Posteriormente, as amostras foram levadas para análise no equipamento de AFM Modelo JPK Nano Wizard, usando uma agulha de Soft Tapping Mode Modelo NCSTR-50 para análise de superfície. 


Para obtenção das imagens topográficas foi utilizado o modo Contato Intermitente (Tapping). A preparação dos filmes foi realizada no Laboratório de Superfícies Poliméricas e Asfálticas e a análise por Microscopia de Força Atômica foi realizada no Laboratório de Caracterização de Superfícies, ambos pertencentes ao Programa de Engenharia Metalúrgica da COPPE/UFRJ.


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Figura 5 - (a) Spin-Coater e (b) Amostras de ligante asfáltico preparadas por spin-coater



Resultados 


L2: CAP 50/70 - Convencional


Na Figura 6 apresentam-se as três superfícies obtidas no AFM para as três condições da amostra L2: Virgem, após RTFOT e após RTFOT + 1 ano ao tempo. Na figura 7 (a), observam-se claramente as três fases típicas das superfícies de ligantes asfálticos: Fase catana, Perifase e Parafase (OSSA, 2012; PIZZORNO, 2014). 


Na figura 6 (b) onde se avalia o efeito do envelhecimento a curto prazo, simulado pelo RTFOT, nota-se um desarranjo do equilíbrio entre as três fases, o que caracteriza mudança devido ao envelhecimento, com destaque para o menor número de bees com tamanhos maiores. 


Na figura 6 (c) que corresponde ao envelhecimento sofrido pela amostra após RTFOT + 1 ano de exposição às condições climáticas da cidade do Rio de Janeiro, observa-se que os bees se regeneraram e se agruparam. A partir desta imagem pode-se visualizar o que acontece com a estrutura do ligante frente ao envelhecimento pelas reações de oxidação que aumentam o teor de asfaltenos e desequilibram a estrutura do ligante asfáltico. Nesta amostra, por não haver tantas associações dos bees, o ligante ainda pode exibir características de flexibilidade, visto que sua parafase ainda traz traços da matriz contínua de origem, de compostos orgânicos de baixo peso molecular, hidrocarbonetos saturados e óleos aromáticos.



(a) Virgem                                                (b) RTFOTF:\Doutorado\AFM novo\LnDantas\12int\tratadasint\L2 H b-tratada_height_trace.tifF:\Doutorado\AFM novo\LnDantas\12int\tratadasint\L2 H b-height_trace_3D.tif


(c) Após RTFOT + 1ano de exposição ao tempo     (d) Hight-Trace 3D

Figura 6 - Análise de superfície pelo AFM da Amostra L2 nas três condições e imagem e em hight-trace 3D



L4: CAP-AB 8 - Modificado com Borracha de Pneus

 

Na Figura 7 apresentam-se duas superfícies obtidas no AFM para duas condições da amostra L4: virgem e após RTFOT. Na figura 9 (a) observa-se a presença da fase catana bem destacada com bees bem maiores que os presentes no ligante sem modificação, entretanto não se visualiza a perifase, mostrando uma estrutura diferente dos outros dois ligantes estudados. 


Na figura 7 (b) onde se avalia o efeito do envelhecimento de curto prazo, simulado pelo RTFOT, nota-se aumento do número de bees, mas em tamanhos bem reduzidos, o que pode ser explicado pelo fato da borracha eventualmente completar sua “digestão”, ou seja, sua incorporação à matriz asfáltica durante a usinagem, verificado pelo aumento da propriedade de Retorno Elástico (25oC) após o RTFOT, o que não ocorre com outros modificadores. Porém, apesar do aumento do número de bees, eles não se associaram, o que pode ser reflexo do menor envelhecimento. 



Na figura 7 (c) que corresponde ao envelhecimento sofrido pela amostra após RTFOT + 1 ano de exposição às condições climáticas, (RTFOT + 12 meses de intemperismo) observa-se um número maior de bees e a distribuição mais parecida com a figura 9 (b), mostrando que para o asfalto borracha (L4) ao final do experimento os bees não se associaram, continuando pequenos quando comparado com o ligante virgem e bem distribuído na matriz asfáltica. Este efeito pode explicar o fato de as misturas com asfalto borracha possuírem na maior parte das vezes um melhor comportamento mecânico em relação ao asfalto convencional. 



        (a) Virgem                                (b) Após RTFOT

(c) Após RTFOT e campo


Figura 7 - Análise de superfície pelo AFM da Amostra L4 nas três condições de análise


Conclusões 


O AFM mostrou-se uma ferramenta válida na caracterização estrutural dos ligantes asfálticos, permitindo diferenciar os tipos de ligantes asfálticos, principalmente se modificados ou não. É possível perceber que acontecem modificações a nível molecular durante o envelhecimento dos ligantes asfálticos, quer seja a curto ou longo prazo. 


O AFM traz informações importantes, e permite avaliar alternativas de se inibir este envelhecimento com a adição de aditivos, como por exemplo, polímeros, que já vêm sendo largamente utilizados, mas também outros tipos de aditivos químicos que evitem o alterações nos grupamentos dos bees, visto que pelas imagens obtidas dos ligantes estudados, evidenciam-se as mudanças na fase catana, ou seja, nos bees, fortemente relacionadas ao processo de envelhecimento dos ligantes asfálticos.


Combinando abordagens de testes microscópicos com outras tecnologias de caracterização pode-se ter um caminho para ligar as microestruturas às macro propriedades do ligante asfáltico. Com base nessas relações, o comportamento físico, reológico e mecânico do ligante asfáltico pode ser estimado pela sua composição química e estrutura.



Profa. Luciana Nogueira Dantas



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