(Fotos: Mulheres do Cangaço e Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"- Universidade de São Paulo)
A engenheira agrônoma Veridiana Victoria Rossetti nasceu em Santa Cruz das Palmeiras (SP), no dia 15 de outubro de 1917. Filha de imigrantes italianos, o pai, chamado Thomaz, estudou Agronomia. Viveu os primeiros meses na fazenda Santa Veridiana, de onde recebeu o primeiro nome, e cresceu na fazenda Paramirim, adquirida por seu pai, no município de Limeira.
Seu avô tinha sido professor da mesma disciplina, antes de chegarem
ao Brasil. Interessou-se pela Fitopatologia já nesta época quando, com os
irmãos e orientados pelo pai, colhia material para estudar o efeito das pragas
e doenças que afetavam as plantas. Iniciou seus estudos no Collegio S. Vicenzo de Paula, na Itália, seguido pelo Colégio São
José, em Limeira, e pelo Colégio Piracicabano.
No rastro da tradição familiar, Victória ingressou na Escola
Superior de Agricultura Luis de Queiroz, em Piracicaba (SP), renomada escola na
área. Foi a primeira mulher a concluir
um curso de Agronomia no estado de São Paulo e a segunda no Brasil, em
1937.
Em 1940, ingressou como estagiária no Instituto Biológico, onde desenvolveria toda a sua carreira. Dedicou-se
sempre à pesquisa das doenças dos citros.
Iniciou seus trabalhos sob orientação de Agesilau Bitancourt, que a encaminhou
para estudos do isolamento de fungos do gênero Phytophthora da gomose dos
citros. Com o advento da doença chamada tristeza dos citros, em 1947, tornou-se
prioridade a necessidade de se adotar um porta-enxerto tolerante ou resistente
às duas doenças.
Seguiu então para os Estados
Unidos, onde realizou, em 1947, curso de Estatística Experimental na Universidade da Carolina do Norte. Em
1951 e 1952, com bolsa da Fundação Guggenheim, estudou Fisiologia de Ficomicetos
na Universidade da Califórnia em
Berkeley e fez especialização em fungos do gênero Phytophthora, com o professor
J. Zentmyer, em Riverside.
Passou a integrar a Comissão
Internacional de Phytophthora. Em 1960, com apoio da Fundação Rockefeller,
visitou as estações de pesquisas em citros na Flórida e na Califórnia. A
convite do governo da França e do Institut National de la Recherche Agronomique
(Inra), desenvolveu um programa de colaboração científica, trabalhando, em
1961, com Joseph Bové em estudos sobre viroides dos citros.
Capacitou-se nas técnicas de diagnóstico de vírus transmissores
por enxertia, visando o Programa de Registro de Matrizes de citros livres de
vírus, implantado no Estado de São Paulo. Em 1958, iniciou trabalhos sobre a leprose dos citros e experimentos para
seu controle. Um resultado bastante relevante foi a comprovação do ácaro
Brevipalpus phoenicis como vetor da leprose e, em 1965, também como vetor da
clorose zonada.
Estudos sobre o cancro cítrico e sobre a clorose variegada
dos citros (CVC) – nome sugerido pela pesquisadora em substituição ao popular
“amarelinho” –, causada pela bactéria Xylella fastidiosa, motivaram vários
trabalhos, com colegas de diversos institutos no Brasil e no exterior.
Foi presidente da
Comissão Permanente de Cancro Cítrico de 1975 a 1977. Teve mais de 300 trabalhos publicados ou
apresentados em congressos nacionais e internacionais e recebeu dezenas de
prêmios e homenagens, entre os quais a Medalha Sigma Xi da Universidade da
Califórnia (1952), o título de Engenheira-Agrônoma do Ano da Associação de
Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (1982) e o de Professor Honorário
da Universidade de Flórida (1987), o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, da
Embrapa (1993) e a Medalha Luiz de Queiroz (1999).
Membro da Academia Brasileira de Ciências, foi condecorada
com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do
Mérito Científico pelo presidente da República, em 2004.
No Instituto Biológico, assumiu a chefia da Seção de
Fitopatologia Geral em 1957, tornando-se diretora da Divisão de Patologia
Vegetal em 1968, cargo no qual se aposentou em 1987. Mesmo depois de aposentada
continuou suas pesquisas junto ao instituto. O Herbário Uredinológico “Victória Rossetti” é parte do Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal do instituto. Em 1988, recebeu o
título de Servidora Emérita do Estado de São Paulo.
Descobertas e nomes
O nome Victória Rossetti estará sempre profundamente ligado
às pesquisas das doenças que atingem as
plantas cítricas. Se o Brasil se tornou o maior exportador mundial de suco
de laranja, não foi sem vencer ou controlar uma série de doenças dos citros e a
engenheira e cientista se envolveu em boa parte delas.
Com a leprose dos citros, especificamente, começou a
trabalhar em 1959. A doença foi descrita em 1935 e teve sua transmissão
associada a um ácaro por Agesilau Bitancourt, seu mentor no Instituto
Biológico.
“Foi da doutora
Vitória o primeiro avanço no conhecimento da leprose de citros, ao destacar
a importância do controle do vetor da doença, transmitida pelo ácaro
Brevipalpus phoenicis, que afeta principalmente as laranjeiras doces”, disse
César Martins Chagas, pesquisador aposentado do Instituto Biológico, que
trabalhou durante anos com a pesquisadora no estudo da leprose de citros.
Em 1987, foi convidada a identificar uma doença nova na
Fazenda Ana Prata, na região de Bebedouro (SP). “Eu não sabia o que era”, diria
anos mais tarde. Ninguém sabia. Aos poucos, a pesquisadora foi desvendando o
mistério. Cobrindo algumas plantas com telas e comparando-as, depois, com as
que estavam expostas, ela descobriu que o vetor da doença era um inseto: as
plantas cobertas continuaram sãs.
Para testar a hipótese do entupimento dos vasos da planta,
criou um equipamento tão simples quanto
engenhoso: tubos transparentes por onde eram introduzidos galhos da planta.
Depois, eles eram cheios com água. Nos tubos que continham galhos saudáveis,
surgiam muitas bolhas, como resultado do ar que saía dos vasos da planta.
Nos tubos contendo plantas doentes, a água borbulhava bem
menos, prova de que os vasos estavam entupidos. Para identificar a bactéria
causadora da doença, Victória foi à França, onde teve a ajuda de Joseph Bové, especialista em Fitopatologia.
No mesmo ano, a pesquisadora identificou a bactéria Xylella
fastidiosa, causadora da doença a que deu o nome de clorose variegada dos
citros. “Chamei-a assim porque as manchas
amareladas na folha apresentam-se de forma variegada, não contínua”, disse.
O sequenciamento do genoma da bactéria foi concluído treze anos depois, em um
dos grandes momentos da história da ciência brasileira.
“A identificação do patógeno pela doutora Victória foi o ponto de partida do projeto de
sequenciamento apoiado pela FAPESP. Outro ponto a se destacar é que ela soube
fazer brilhantemente a mediação do conhecimento entre a academia, técnicos e
produtores. A prova disso são os manuais que escreveu direcionado aos
técnicos”, disse Kitajima.
“Ser visionário e ter
extrema capacidade de desenvolver trabalhos são duas características muito
difíceis de se encontrar em um pesquisador, mas que a doutora Vitória tinha de
sobra”, disse Chagas.
Despedida
Reconhecida como uma das maiores pesquisadoras no mundo em doenças que atingem a citricultura,
morreu na madrugada do dia 26 de dezembro de 2010, de pneumonia, aos 93 anos. O
velório e sepultamento foram realizados no Cemitério do Morumbi, em São Paulo.
Victória nunca casou, dedicou
sua vida à profissão. O presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de São
Paulo (FAPESP), Celso Lafer assim a definiu: “é com grande pesar que lamentamos
o falecimento da doutora Victória, pioneira no estudo das doenças que acometem
as plantas cítricas, cientista de
carreira belíssima e de grande importância, responsável por formar e apoiar
gerações de pesquisadores brasileiros e que esteve ligada à FAPESP desde a sua
fundação” (Agência FAPESP).
Confira no vídeo abaixo, produzido pelo Canal Futura, como foi a carreira da engenheira agrônoma:
Fontes:
- VICTÓRIA
ROSSETTI (1917- 2010)
- Personalidades
da fruticultura brasileira: Veridiana Victoria Rossetti